sábado, 28 de março de 2015

NA GUARITA - Crônica BORDA DE NUVENS, 05 de março de 2015.

Borda de nuvens

        
         O sol brilha sobre nós, impiedoso. À volta da cidade, nuvens ora cinzentas, ora negras, criam uma bordadura sufocante e angustiante no cenário. O calor torturante instala-se como um bafo fugindo de uma panela fervente. As pesadas nuvens apertam um sorriso de bochechas gordas e vão esticando seus corpos de celulites e estrias como se fossem explodir em temporais a qualquer momento. Subitamente, elas param, ficando ali imóveis, sem trovões ou raios, sem desfazerem-se em chuva ou, então, são empurradas por ventos que as irão derrubar sobre outros lugares.
         Lá embaixo, nós. Nós, iluminados e castigados por um sol causticante, atormentados por uma bordadura de nuvens escuras que nos cobre de sombras, mas sem nos libertar do exaustivo calor.
         A sensação de luz deveria nos confortar, posto que nos permite saber por onde ir; a borda de nuvens deveria nos confortar, visto que, transformada em chuva, nos aliviaria, nos refrescaria.  A imagem de nuvens negras nos rodeando, nos permitindo andar por alguns raios de sol, nos condena ao fardo da seca. Começamos a pensar: não choverá, não refrescará; as nuvens irão embora; as plantas não sorrirão; o sol vai rir de nós.
         Eu queria olhar para a borda de nuvens e ordenar: dissipem-se, afinem-se em gotas de chuva, tragam-me a luz do sol sem a dor. Que o sol ilumine sem doer; que as nuvens cresçam e alcancem seu fim, que é chover; que a chuva seja de bênçãos; que a escuridão não exista; que a razão predomine; que os meios cheguem aos seus fins e que os fins não justifiquem os meios, porque nem sempre é justo – quase nunca é -; porque a borda de nuvens imóvel e imutável é tão sem finalidade quanto o sol que mais queima do que ilumina; é tão sem finalidade quanto a oração de quem não ama; tão sem fim quanto pedir perdão sem arrependimento e mudança; tão sem fim quanto esperar compaixão sem ser humilde.

         Acontece, então, que, mesmo assim, eu tenho olhado para o céu e acreditado, mesmo com medo, mesmo com tristeza, mesmo suando em pipas, que o sol me trará luz, sem machucar, e que as nuvens que me rodeiam e assustam se tornarão apenas, e tão somente, uma fresca chuva que levará embora todas as lágrimas que eu derrubar.
Imagem copiada de pt.wikipedia.org em 28 de março de 2015.

quarta-feira, 25 de março de 2015

NA GUARITA - Crônica "Porcos Ingratos" de 19 de março de 2015.

Porcos ingratos
               
                Magros e esfomeados porcos viviam num lugar imundo próximo à casa de um homem rico. Os animais maltratados pelo dono comiam todas as imundícies que encontravam pelo caminho para saciar a sua fome. Vendo o homem o sofrimento dos animais, comprou-os do dono cruel e, tirando-os da lama, levou-os para sua propriedade, onde começaram a receber uma alimentação limpa e saudável e um bom lugar limpo e protegido para viver.
                O antigo dono espalhou pela cidade que o rico morador comprara seus porcos inúteis e vinha-os tratando como adoráveis animais de estimação, gastando fortunas para alimentá-los e abrigá-los, coisa que deveria fazer com animais mais nobres, como os cavalos, por exemplo, comentou o velho sovina.
                O homem justo virou motivo de zombarias na cidade. Todos o olhavam com ar cínico, desprezando sua preocupação com animais tolos e barulhentos que gostavam de se revirar na lama. As pessoas gostavam de ofendê-lo, cobrando dele que gastasse seu dinheiro com ações que ajudassem toda a cidade, aí então ele poderia ser visto como um homem generoso, de fato. Furioso com as intervenções, o homem chamou todos seus críticos para que vissem como ele alimentava seus animais. Pela primeira vez, juntou-se aos porcos e, inacreditavelmente foi atirando para eles notas de dinheiro que os animais devoravam avidamente. Vejam, gritava o homem, segurando duas sacolas, os porcos são meus, dou-lhes o que bem entender, dou-lhes dinheiro e dou-lhes joias, eles me são gratos! Dou-lhes essas pérolas que me são caras, o quanto eu tiver; dou-lhes todas!
                Os animais jogaram-se a devorar aquilo tudo, engolindo as pérolas e procurando mais pelo chão. Virando-se, o homem sorriu olhando para a multidão, pensando em sair dali, mas também os porcos viraram-se e arremessaram-se sobre ele, que ainda segurava as sacolas, agora vazias. Desesperados para comerem mais, fosse o que fosse, derrubaram o homem e violenta e desordenadamente, o morderam e sufocaram até que o pobre homem deixasse de respirar, enquanto as outras pessoas olhavam atônitas, umas sentindo medo em ajudar e outras tendo satisfação com o trágico desfecho daquela estranha amizade.
                Finalmente, depois do enterro, os animais foram sacrificados e seus ventres foram abertos. A gente toda atirou-se, tal qual os porcos, sobre suas entranhas, tentando recuperar as pérolas. Quem de longe assistia, podia confundir toda aquela coisa como uma só. Não se sabia o que era gente, o que era porco. Depois de tudo os animais foram esquartejados e assados, virando um grande banquete que alimentou por um dia aquela horda faminta e furiosa.
Resultado de imagem para homens devorando porcos

 Imagem copiada de parana-online.com.br em 
25/03/15.