Borda
de nuvens
O
sol brilha sobre nós, impiedoso. À volta da cidade, nuvens ora cinzentas, ora
negras, criam uma bordadura sufocante e angustiante no cenário. O calor
torturante instala-se como um bafo fugindo de uma panela fervente. As pesadas
nuvens apertam um sorriso de bochechas gordas e vão esticando seus corpos de
celulites e estrias como se fossem explodir em temporais a qualquer momento.
Subitamente, elas param, ficando ali imóveis, sem trovões ou raios, sem
desfazerem-se em chuva ou, então, são empurradas por ventos que as irão
derrubar sobre outros lugares.
Lá
embaixo, nós. Nós, iluminados e castigados por um sol causticante, atormentados
por uma bordadura de nuvens escuras que nos cobre de sombras, mas sem nos
libertar do exaustivo calor.
A
sensação de luz deveria nos confortar, posto que nos permite saber por onde ir;
a borda de nuvens deveria nos confortar, visto que, transformada em chuva, nos
aliviaria, nos refrescaria. A imagem de
nuvens negras nos rodeando, nos permitindo andar por alguns raios de sol, nos
condena ao fardo da seca. Começamos a pensar: não choverá, não refrescará; as
nuvens irão embora; as plantas não sorrirão; o sol vai rir de nós.
Eu
queria olhar para a borda de nuvens e ordenar: dissipem-se, afinem-se em gotas
de chuva, tragam-me a luz do sol sem a dor. Que o sol ilumine sem doer; que as
nuvens cresçam e alcancem seu fim, que é chover; que a chuva seja de bênçãos;
que a escuridão não exista; que a razão predomine; que os meios cheguem aos
seus fins e que os fins não justifiquem os meios, porque nem sempre é justo –
quase nunca é -; porque a borda de nuvens imóvel e imutável é tão sem
finalidade quanto o sol que mais queima do que ilumina; é tão sem finalidade
quanto a oração de quem não ama; tão sem fim quanto pedir perdão sem
arrependimento e mudança; tão sem fim quanto esperar compaixão sem ser humilde.
Acontece,
então, que, mesmo assim, eu tenho olhado para o céu e acreditado, mesmo com
medo, mesmo com tristeza, mesmo suando em pipas, que o sol me trará luz, sem
machucar, e que as nuvens que me rodeiam e assustam se tornarão apenas, e tão
somente, uma fresca chuva que levará embora todas as lágrimas que eu derrubar.
Imagem copiada de pt.wikipedia.org em 28 de março de 2015.
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