segunda-feira, 27 de maio de 2013

Fragmentos de FILOSOFIA CINZA: A melancolia e o corpo nas dobras da escrita

Livro de Márcia Tiburi - Porto Alegre: Escritos Editora, 2004, p. 56:

"A melancolia será a marca mais própria do sujeito moderno, diga-se, do sujeito enquanto tal. Mesmo essencial à filosofia e ao estatuto do sujeito do conhecimento, e melancolia poucas vezes será tema (por ser para os filósofos uma doença e, portanto, assunto daqueles, os médicos, que tratam do corpo e não do espírito, esse sim, assunto da filosofia...) ou problema a ser investigado filosoficamente."

Bem lembrado, a autora afirma que "poucas vezes" a Filosofia se ocupará do tema melancolia, certamente porque, mesmo que a melancolia tenha causa no corpo, ela tem consequências no espírito, o que não descarta a responsabilidade da Filosofia. Para mim, a Filosofia não faz escolhas. É o homem filósofo ou "filosofante" que as faz. A Filosofia está em tudo como - para alguns - em tudo está Deus. Se há a dor humana, se há o riso, se há a calma, se há o medo, há a Filosofia em cada movimento corporal do homem, que é reflexo de seus movimentos mentais e/ou espirituais.

"A melancolia seria algo como a sombria tristeza no meio do riso." (p. 63)

Rio, não sem tristeza. Entristeço, não sem um riso ou sorriso. Conheço a melancolia, sei o que faz e traz. Ela vem de mim. Não entrou em mim. Estava aqui, antes de eu abrir os olhos pela primeira vez. O riso disfarça. Me disfarça. Me mantém. É preciso que eu ria de mim mesma e desse mundo. Talvez seja mais ridículo, ainda, ter imaginado que essa era uma receita só minha. Não. Todos os melancólicos soltam um risinho sarcástico, de vez em quando, ou trazem um sorrisinho irônico no canto da boca.

"O melancólico precisa encontrar saídas  de um mundo e um eu opressor." (p. 66).
"A única saída para aquele que se acha nada é ser outro." (p. 66).

Isso parece fácil. Será? Somos muitos, mas um só. Sou apenas uma face quando olho no espelho, embora o espelho envelheça e eu também. Entretanto, em mim, aquilo que não vejo, porém percebo, é que tão diversos são os meus eus! E não abro mão deles, quando preciso usá-los como porta de saída rumo ao ser estranho - e ao mesmo tempo familiar - que é meu outro eu. Ligam-se, como neurônios, e retroalimentam-se, mantendo meu corpo com doses daquilo que chamamos vida.


DEIXA-ME

Deixa-me um pouquinho,
Um pouquinho só,
E tão só que eu morra de vontade de ti.
E esse morrer seja um renascer
Nos teus braços que recebem,
No teu beijo que acolhe,
Quando eu voltar de mim,
Tão só e tão longe.
Porque não há abrigo fora de ti
E nem há viver sem teu olhar.
Deixa-me um pouquinho,
(Mas não muito, apenas minutos
Ou algumas horas...
Jamais um dia todo,
Pois morro, juro que morro
Em algum caminho.)
Pois que eu volto;
Volto ainda mais de ti,
Volto para ti,
Volto por ti,
Volto em ti.
Deixa-me, portanto, um pouquinho,
Já que mesmo que eu parta,
Continuo em ti,
Vivo em ti.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

JUSTIÇA PARA MARCIELLE

Para quem não sabe, nosso Brasil, democrático, ocidental e emergente, é um país vergonhosamente corrupto e violento. A violência contra as mulheres ocorre desenfreadamente; crianças são estupradas e mortas com requintes de crueldade; jovens de 16 e 17 anos cometem crimes com uma mórbida sensação de prazer; a impunidade assola a justiça; o Legislativo silencia. O que vale são a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Saúde, segurança e educação ficam em último plano. Esse não é o Brasil do turismo, esse é o Brasil do dia-a-dia. Bem-vindos!
A data de hoje marca 1 ano do assassinato de Marcielle, uma menina de 12 anos.
No meu livro Na guarita e outras palavras de gaveta, 2013, Ed. Scortecci, à p. 116, vocês podem encontrar uma poesia que escrevi para essa menina, à época da tragédia.

O GEMIDO DO VENTO

Ouve! Está ouvindo?
Um gemido! É o vento!
É uma canção, um lamento.
É uma dor, é um tormento.
Ouve! As árvores balançam.
As árvores choram deitando
Folhas pela relva. Escuta que
Choram natureza e humanidade.
Vê que não chove e o rio está raso,
Mas as lágrimas não secaram e nem
O sangue de corações partidos findou.
Espera. A menina espera seu descanso.
Espera. A gente espera o fim da noite.
A noite longa que se espalhou na cidade.
Que dor maior e única, sentem a mãe, o pai
E os irmãos! Inigualável dor de silêncio e de
Escuridão! Luz! Luz, luz, luz! Acendam a luz!
Mostrem uma luz, pois que o mal não sobrevive
Sem ser nas sombras. Ah, que triste partir assim!
Ah, que horror daquele que decide quando é o fim!
Nem dono de vida, nem dono de alma, mas demônio
Da morte. Ceguem seus olhos quando a luz lhe tocar
As vazias pupilas de negro terror. Ceguem seus olhos
Quando a verdade tocar a sua fronte tenebrosa, pois
De todo o resto já é cego. Não pode ver com o coração
Já que não o tem. Não pode chorar, nem sofrer, nem
Sentir remorso, pois o que é tal coisa? O nada vira nada.
Ouve! Um sussurro. Não permita que essa noite continue.
Vem, estende a mão aos que aqui estão e acende a luz!
Mostra a face do monstro e alivia um pouco esse sofrer.
Ouve! A menina quer descansar. Não tape os ouvidos,
Não feche os olhos, não fique em silêncio. Por favor,
Acredita. A menina quer descansar. O vento só tem
Chorado e o tempo só tem gemido. Diminui as dores,
Acende a luz, então. Ouve, não fica parado. Acredita,
A menina quer descansar.


Alguns lugares do meu Rio Grande do Sul, hoje pela manhã - imagens de ZH

 Caxias do Sul - Crédito: Porthus Jr., Agencia RBS

                                           Caxias do Sul - Crédito: Porthus Jr., Agencia RBS

Porto Alegre - Crédito: Ronaldo Bernardi, Agencia RBS

Bagé - Crédito: Francisco Bosco, Especial

Aqui no Rio Grande do Sul ainda é outono, mas já estamos convivendo com temperaturas muito baixas - até negativas - como em Caxias do Sul, na Serra, e em Bagé, na fronteira com o Uruguai. Nessa terra sopra um vento chamado minuano, que dói nos ossos. Aqui tomamos chimarrão, uma bebida quente feita de erva-mate, usada primeiro pelos indígenas da região. Nessa terra abraçamos a nós mesmos e comemos e bebemos à volta do fogo de chão, enquanto os campos lá fora, devagarinho, vão descongelando da geada da madrugada. Aqui produzimos músicas melancólicas, de letras difíceis e estranhas, que falam do amor à terra, aos animais e ao ser humano. E do amor ao amor. Nessa terra nós sobrevivemos, às vezes, a quatro estações num mesmo dia, mas ainda somos o Estado do Brasil que tem o privilégio de viver o inverno, a primavera, o verão e o outono, com todas as suas intensidades!

Crédito: Jornal Pioneiro - RBS



quinta-feira, 16 de maio de 2013

Prostração

Maldito!
O maldito estava ali, silencioso, com um sorrisinho mal-disfarçado no canto da boca, fingindo que não me via. Eu, em tamanha prostração, pedindo-lhe, implorando-lhe que olhasse por mim. Por mim! E pra onde ele olhava, por quem ele olhava? Maldito, sem braços pra me abraçar, sem sonhos pra me dar, sem lábios pra me beijar! Apenas sua cara cretina de grande senhor, de maioral, de sujeito acima do bem e do mal, esperando calmamente a minha morte chegar. Eu, em minha prostração humilhante, medonha e cruel, tendo de me dar a torcer e esquecer e gemer e sofrer e... Morrer! E ele, tão poderoso, ali, inerte, porque nada poderia e deveria ser feito. Era a sua vontade. Era a minha verdade. Eu, o filho, ele, o pai.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Meu grande abraço

Hoje, e não só hoje - ah, como eu gostaria de ser uma ave que pudesse voar sobre todo o planeta e ver de perto todas as gentes, tão diferentes de mim, mas tão iguais! - dou meu abraço apertado aos meus irmãos dos seguintes países:

Brasil

Rússia

Alemanha

Estados Unidos da América

Segure a minha mão.
Não se sinta só.
Nós somos 7 bilhões.
Você é meu irmão
E a vida é apenas pó.
Todos os corações,
O teu e o meu,
Batem, batem, tum-tum, tum-tum...
E param, tum... tum... ... ...
O meu e o teu...
Feitos da mesma matéria...
Não se sinta só...




"Não vou voltar"

Poesia, p. 76 de Na guarita e outras palavras de gaveta:

Estranho...
Não lembro de ter dito isso:
Não vou voltar.
Não vou voltar de onde?
De que lugar é necessário que eu volte?
E para que voltar?
Voltar do passado?
Ou do futuro?
Voltar ao presente?
Para quê?
Não vou voltar...
Que importa!?
Irei!
Não preciso voltar.
Mesmo que eu não tenha ido
Para lugar algum
Eu já decidi:
Não vou voltar.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Das decisões que devemos e podemos ter

Pois bem, senhoras e senhores! Aqui estou, uma escritora pouco conhecida, sem nome burguês e de elite, sem padrinhos famosos, apresentando a vocês o que eu puder, daquilo que escrevo e daquilo que leio. Escritores que vivem em pequenas cidades - naquelas em que "santo da casa não faz milagre" - precisam trabalhar em outras atividades... Ou que venha a morte miserável e anônima!
Prova disso é que, quando de minha monografia pela conclusão do curso de Filosofia, na UNISC, apresentei-a em forma de artigo, na tentativa de publicá-la em alguma revista científica. Meus caros, isso não acontece sem QI (Quem Indique). Esse é o nosso país. Vocês sabem disso. Mesmo um artigo como o meu, que recebeu, de forma unânime, 10!

Desse modo, começarei aqui a apresentar meu artigo. Publicarei uma parte de cada vez. Façam suas críticas, tirem suas conclusões. Esse é um canal aberto. Como está escrito no início do blog: partículas de filosofia, literatura e liberdade. LIBERDADE!

O MUNDO SCHOPENHAUERIANO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO MATERIALIZADO NO SER E POESIA DE GEORG TRAKL
                                                                                    Inês Jaqueline Teixeira de Souza

RESUMO
Este artigo certamente ousa discutir a filosofia de Schopenhauer através da poesia de Georg Trakl, considerando o tratado do filósofo acerca da vontade e representação do mundo, que é encontrada em várias de suas obras. Presumir que Schopenhauer tenha escrito sobre algo que não é compreensível, através de um suposto pensamento pessimista, é não reconhecer no mundo e nos homens que a vontade age livremente  sobre o ser e ajuda a formar seu universo. A linguagem assume forma poética e/ou filosófica quando trabalha sentidos e sentimentos, quando apresenta um ser metafísico e usa de metáforas, quando adentra a subjetividade e mergulha no ser. A poesia e a vida de Trakl - e mesmo de Schopenhauer - dão provas disso; e mais, de que não há liberdade no movimento humano, o que, possivelmente, isenta, de algum modo, o ser da culpa, mas também não lhe permite a santidade. E, mesmo que numa existência voltada à contemplação, ao desapego e à compaixão, é angustiantemente verdadeiro que a felicidade humana não passa de utopia, em que a vida é mais dor do que prazer. Ambos os gênios descrevem isso de formas diferentes, ambos possuem um "saber-o-mundo" bem individual, mas, enquanto um deles exalta o "querer viver", o outro exalta a morte. (Filosofia, UNISC, 2012, p. 8)
                                                                       Schopenhauer

                                                                               Trakl

Fragmento de "Uma oportunidade para João"

Fragmento do conto Uma oportunidade para João, do livro Frente Fria, contos de inverno, p. 47:

"Ele retornou à infância, a um tempo seguro, onde nada temia e tudo era resolvido por ele e muitas coisas eram para ele. Voltou a um tempo no qual sua mãe ainda vivia, e ela era calor, refúgio e alegria. Ela compreendia ele num olhar. Sabia até quando ele ia chorar, mesmo antes da primeira lágrima cair. Sabia torná-lo importante, com seus elogios, e fazê-lo acreditar em si mesmo. Era a sua mãe, ela o reconhecia, ela o compreendia. E era a dor da vida dele, que ela tenha partido tão cedo, há tanto tempo. Por que, depois disso, ele temia chorar, mas também temia ser feliz. Temia até mesmo ter mérito por algum feito."