segunda-feira, 24 de junho de 2013

O MUNDO SCHOPENHAUERIANO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO MATERIALIZADO NO SER E POESIA DE GEORG TRAKL - Continuação VI

Este estudo poderia ser facilitado se, ao invés de Schopenhauer, tivesse sido escolhido o filósofo Martin Heidegger (1889-1976), admirador da obra do poeta alemão Hölderlin, cujos versos inspiraram-lhe estudos e o desejo de unir filosofia e poesia. Mas, que algo novo poderia ser discutido, visto que existem inúmeros tratados da filosofia de Heidegger com a  poesia de Hölderlin? No entanto, isso não impede que se faça uso do estudo de poética desse filósofo da II Grande Guerra. Segundo Borges (Donaldo de Assis Borges é docente da Universidade de Franca e do Centro Universitário de Franca - Uni-FACEF) e Souza (Marco Antonio de Souza, docente da Universidade de Franca) (2010, http://www.meuartigo.brasilescola.com/filosofia/a-poetica-heidegger.htm), no artigo A poética de Heidegger, esse considerava que "[..] a verdade como clareira e ocultação do ente, acontece na medida em que se poetiza."Pensamento filosófico e linguagem seriam bastante importantes na trajetória do pensar. Ainda conforme Borges e Souza, entende-se no filósofo estudado que "por isso, a filosofia e a poesia estão tão intrinsecamente relacionadas na linguagem poética de Heidegger." Eles também reforçam que a poética era um dos métodos discursivos para Aristóteles que, bem se sabe, produziu uma obra com o nome A poética (obra escrita entre 335 e 323 a.C.; trata das várias espécies poéticas e, em especial, da tragédia. Para o filósofo grego a poesia era um sistema de imitação da realidade que continha uma verdade em potência, ou seja, sobre uma realidade que poderia vir a ser - ou ser de outro modo -, o que empresta ao discurso poético tanta importância quanto há em uma obra histórica. Além disso, o efeito de catarse da poesia sobre o sujeito afirma o valor da mesma como elemento filosófico.). Os dois afirmam que
Heidegger sabe que não se pode explicar os "sentimentos", mas é possível usando-se linguagem e imagem figuradas para provocar no leitor ou ouvinte um modelo destes sentimentos que assolam a alma poética. A sua linguagem oferece fórmulas representativas e descritivas de uma realidade interna, consegue reproduzir a sua volta, naqueles que o assimilam, uma idéia, às vezes vaga, outras vezes forte das suas próprias emoções.
Heidegger era capaz de perceber linguagem poética no filosofar e vice-versa. E acreditava que isso era possível e interessante como método para alcançar a verdade - ou, no mínimo, para produzir conhecimento. E, provavelmente, em se falando de verdade e conhecimento, se esteja tratando de coisas iguais. Afirmar "eu conheço" é admitir saber a verdade de algo. É um "saber-o-mundo", com certeza. Heidegger foi além. Ele também produziu um tratado sobre a poesia de Georg Trakl. Heidegger (2011, http://www.martin-heidegger.nt/Textos/html/Trakl.html) afirma que "o diálogo do pensar com o poetizar tem a finalidade de evocar a essência da linguagem para que os mortais reaprendam a habitar a linguagem." Também diz que "o poema de um poeta mantém-se não dito." Ora, Heidegger procura o lugar da poesia de Trakl, e sente que esse lugar é a própria terra, no sentido de pátria, lar. Sabe a a alma cantada nos versos deTrakl procura habitar essa terra e nela não ser uma desconhecida. Pelo contrário, é nela que o ser precisa encontrar-se. Quanto a isso, o filósofo Heidegger escreve que "a poesia de Trakl canta o canto da alma, que 'estranho sobre a terra', tem antes de tudo, de alcançar a terra enquanto pátria mais calma do género (sic) que regressa a casa.", acrescentando que "a sua poesia canta o destino do cunho que arrasta o género humano para a sua essência ainda reservada, i.e. (sic), que o salva." Sobre o não dito, ocorre que a poesia deTrakl, obscurecida, não diz o esperado ou entendido, diz outra coisa, acabando por deixar de dizer; mas essa é mais a visão do leitor do que a intenção do poeta. Isso ocorre muito frequentemente com a filosofia.
Canta Trakl (2010, p. 93), em Primavera del alma:
Más oscuras bañan las águas los bellos juegos de los peces./Hora de duelo, silente vista del sol;/un alguien extraño es el alma en la tierra. Espiritual crepuscula/el azul sobre el bosque abatido y suena/insistente una triste campana en la aldea; compaña de paz./Silente florece el mirto sobre los bláncos párpados del muerto.
"[...] un alguien extraño es el alma en la tierra." Alguém estranho é a alma sobre a terra. A alma é um estranho sobre a terra, repetirá Heidegger em seu discurso, para reafirmar o valor da poética na linguagem do pensar. É o homem estranho a si mesmo não só em Schopenhauer, mas também em Trakl.

terça-feira, 18 de junho de 2013

COPA DO MUNDO 2014 - Protestos no Brasil

Imagem de Laycer Tomaz/Divulgação - Jornal Zero Hora de 18/06/13
Imagem da TV Globo, 18/06/13

Quem vê nossa juventude, depois de tantos anos, tomando as ruas do país, talvez acredite, mesmo, que o grande motivo para os protestos é o aumento das passagens de coletivos Brasil afora. Na verdade, isso representa apenas o descontentamento do povo com os astronômicos gastos com a Copa do Mundo e com a vergonhosa corrupção entre políticos e empresários.
Vocês, estrangeiros, visitam nosso país e não percebem nosso cansaço. Não é nosso cansaço em andar de ônibus, muitas vezes de pé, apertados e pagando caro por isso. Vocês não veem nosso cansaço com a roubalheira em nosso país. Com a precariedade da saúde, com a deficiência da educação, com a insustentável falta de segurança... Vocês não veem nosso cansaço quando abrimos um sorriso ou damos uma gargalhada, porque rimos- como idiotas que somos - de nós mesmos! Um riso falso e burro de quem acredita que mora num "país abençoado por Deus e que Deus é brasileiro."
Vocês vêm e se encantam com as belezas naturais, entre elas as mulheres, e nem percebem que a gente é roubada diariamente em milhões de reais pela ala bandida da política, pelas aves de rapina que nos roubam e nos roubam mais ainda através por superfaturados estádios de futebol erguidos para a Copa do Mundo de 2014. Vocês vem mas não nos veem. Não venham, juntem-se a nossa causa. Nosso país é uma vergonha. Não visitem países corruptos.
Imagem copiada do site www.transitomanaus.com.br

Deixa-me triste que entre tantos jovens que acordaram, estejam vândalos, baderneiros que diminuem a legitimidade das manifestações. Sou contra a violência, de ambos os lados. Ainda bem que bandeiras de partidos têm sido suprimidas, afinal de contas, esses eventos foram marcados e cresceram nas redes sociais. O que mais espero é que a juventude lembre que não é apenas baixando o preço das tarifas de ônibus que os problemas do nosso país - que finge estar erradicando a pobreza com as dezenas de "esmolas" estimuladoras da preguiça - ficarão menores. Nós queremos o dinheiro público para o povo, para a saúde do povo, para a segurança do povo, para a educação do povo. Nós, cidadãos comuns não ganhamos tanto quanto os políticos, muito menos tanto quanto os corruptos e menos ainda quanto os famosos jogadores brasileiros de futebol que as pessoas sem consciência política idolatram.
Imagem de Vinícius Roratto - Correio do Povo

Imagem copiada de www.portalguaira.com




segunda-feira, 17 de junho de 2013

CLARICE LISPECTOR - Crônica publicada na Revista Casa e Jardim nº 69, de 1960 e reeditada no nº 701, de junho de 2013

Interessante. Recebo a revista e, na contra-capa, uma "falsa" antiga publicação de Casa e Jardim. Abro. Há uma crônica de Clarice Lispector - minha musa, minha maior escritora, desde antes de tudo até sempre - na p. 4.
Creio que o que ela escreveu serviu de luz para seu romance, "A paixão segundo G.H.", de 1964, em que ela trava uma luta consigo mesma e com uma... barata. É uma batalha em que ela precisa vencer a si mesma e ao inseto, mesmo que para isso tenha de prová-lo. Senti o gosto de si e da coisa que repugna. Sentir-se gente e sentir-se bicho. Sentir-se nada e alguma coisa pra tentar voltar a ser... ser vivo.
Se Clarice Lispector tivesse me perguntado, eu saberia dizer o gosto que tem uma barata. Se bem que a que eu tive a infelicidade de comer estava bem assadinha dentro de um pão francês. Eu era criança, não tive uma grande provação existencial, naquele momento, mas me senti tão coisa quanto sentia como coisa a barata.

A QUINTA HISTÓRIA
Clarice Lispector

Esta história poderia chamar-se "As Estátuas". Outro nome possível é "O Assassinato". E também "Como Matar Baratas."
Farei então três histórias verdadeiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma - se mil e uma páginas e mil e uma noite me dessem.
A primeira, "Como Matar Baratas", começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como acabar com elas. Que misturasse, em partes iguais, açúcar, farinha e gêsso. O remédio as atrairia como comida que também era. Morreriam. Assim fiz. Realmente morreram. A outra história é a primeira mesmo e se chama "O Assassinato". Começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só abstratamente me havia queixado de baratas, que nem minha eram: pertenciam a quem de direito, e escalavam os canos do edifício até nosso lar. Foi na hora de fazer a mistura que elas se individualizaram. Comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa; um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dias as baratas eram invisíveis. ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão tranqüila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Fria, meticulosa, preparava o elixir da longa morte.  Mêdo e rancor guiavam-me. Agora eu só queria gèlidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. A receita estava pronta. Tão bem espalhei o pó que nem se via, como para baratas espertas como eu. Horas depois, no silêncio da casa, da cama imaginei-as subindo uma a uma até a área de serviço, onde o escuro dormia - só as camisas alertas no varal. Acordei em sobressalto, era madrugada. Atravessei a cozinha. E no chão da área, lá estavam elas, duras. Durante a noite eu matara. Amanhecia. Um galo cantou.
A terceira história que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Até o ponto em que, na madrugada seguinte, acordo. Ainda sonolenta, atravesso a cozinha. Mais sonolenta ainda está a área, na sua longa perspectiva de ladrilhos. E à luz primeira, num límpido arroxeado que distancia tudo, vejo no chão sombras e brancuras. Dezenas de estátuas de baratas espalham-se rígidas. Endurecidas de dentro para fora. Testemunho o primeiro alvorecer de Pompéia. Revejo-lhes a última noite, na orgia do escuro. Em algumas o gêsso terá endurecido aos poucos, e, com movimentos cada vez mais penosos, elas ainda tentam fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em espanto. Outras, assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer a intuição de um molde interno que se petrifica - de súbito se cristalizam, assim como a palavra é cortada da bôca. Uma, azulada, terá sentido: "quem olhar para dentro, vira estátua de sal". De minha altura de gente olho a derrocada de um mundo menor. Começa a amanhecer. Uma ou outra antena escura freme sêca à brisa. Da história anterior, canta um galo.
A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei-me de baratas. Até o ponto em que vejo os monumentos de gêsso. Mas olho também para os canos, por onde à noite renovar-se-á uma povoação lenta e viva. Teria eu então que renovar tôdas as noites o açúcar letal? como quem não dorme mais sem o ritmo de um narcótico. E tôdas as madrugadas levantar-me-ia sonâmbula? viciada na tortura de procurar no pavilhão as estátuas que minha noite cansada erguia. Senti um mau prazer na visão de uma vida dupla de feiticeira, e também o aviso do gêsso que seca. E é por isso que hoje, com o orgulho da virtude, ostento secretamente no coração uma placa: "Esta casa foi detetizada".
A quinta história chama-se "Uma alma refeita". Começa assim: queixei-me de baratas.

Estranho... Notaram que ela não dá nome à quarta narrativa? Até que poderia ter recebido o nome de "O feitiço do gesso". Que ousadia, a minha.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

ABRAÇOS AO IRMÃOS QUE PASSARAM POR AQUI!

Abraços fraternos para

Rússia

Ucrânia

Japão

Alemanha

Estados Unidos da América

Brasil

MUNDOS

Um elevador lento e de ferragens Belle Époque
me leva ao antepenúltimo andar do Céu,
cheio de espelhos baços e de poltronas como o hall
de qualquer um antigo Grande Hotel,

mas deserto, deliciosamente deserto
de jornais falados e outros fantasmas da TV,
pois só se vê, ali, o que ali se vê
e só se escuta mesmo o que está bem perto:

é um mundo nosso, de tocar com os dedos,
não este - onde a gente nunca está, ao certo,
no lugar em que está o próprio corpo

mas noutra parte, sempre do lado de lá!
não, não este mundo - onde um perfil é paralelo ao outro
e onde nenhum olhar jamais encontrará...

(Mário Quintana, poeta brasileiro, em Quintana de bolso - rua dos cataventos e outros poemas, pela LePM, Porto Alegre, 2008, p. 48).