segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A COLUNA "NA GUARITA" RETORNA!

Finalmente, depois de alguns meses, eis que retorno a escrever no Jornal de Rio Pardo.
Abaixo, texto enviado hoje para a edição de 09 de agosto de 2013:

Da finalidade da filosofia
                                                                                         Jaque Plucênio
          Pediram-me para definir melhor filosofia, outro dia. Primeiro pensei: “Quem sou eu, para fazer isso?”; depois disso, analisando melhor a questão, deduzi que, na verdade, a pessoa quer entender o seguinte: “Para que filosofia?”
          Filosofia não tem sinônimos, tem conceitos, infindos. E sobre ela é muito pouco dizer que é uma ferramenta para melhor pensar. Pensar é inerente ao humano, e sempre haverá o tolo e o sábio, mas o que mais existe são os medianos. Filósofos arrogantes dirão que a filosofia não servirá para os tolos ou até mesmo para os de inteligência média. Mas para quem ela servirá, então? Os sábios não a podem detê-la - cometeriam o crime de não distribuí-la -, pois filosofar é ato livre.
          Filosofia é o próprio pensamento, e não possui amarras. A maior diferença entre um pensar qualquer, de senso comum, e o pensar filosófico, racional, é que o primeiro não duvida (é crédulo) e não se preocupa com a verdade, enquanto o segundo põe em dúvida e caça, incessantemente, a verdade, embora muitas vezes só acerte o tiro de raspão.
          Por isso a filosofia tem um momento de nascimento: século VI a.C. Antes disso, tudo era pensado de forma mítica, ou seja, a base do pensamento era puramente religiosa, era o que fundamentava toda causa e, claro, toda consequência de fenômenos da natureza. Hoje, após milhares de anos parindo filhos importantes para o mundo: física, biologia, medicina, astronomia, psicologia, política, ética, matemática, sociologia e etc., a filosofia – a ciência que não é ciência - quer continuar sendo o que ela é: a dúvida e a procura, a libertária do misticismo, a moderadora, a eliminadora do fanatismo, a destruidora da intolerância, a redentora das mentes. Para mim, isso? Claro! Ou para você, também. A filosofia não é o que está estabelecido, não é o que já foi dito, não é o que se determina. Ela é sempre além, porque há sempre algo mais e a verdade não chega nunca. Acomode-se, e qualquer tolice que você chama de verdade poderá engoli-lo rapidinho. Um exemplo: pense no monte de tolices que querem te vender no facebook, como verdade. Se você comprar uma dessas inverdades, é você que está sendo comprado. Filosofar é um ato de se dizer “eu aceito”, ou “eu não aceito” munido da razão. Assim, é preciso cuidado ao curtir e compartilhar coisas que te oferecem com tanta facilidade, mas sem fundamentação, pois essa é uma maneira bem nova de prostituir a tua mente.
          “A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.”, afirmou Merleau-Ponty. Mas eu conseguiria expor o que cada filósofo diz sobre a filosofia? Não. Porém, não afaste-se nunca da ideia de que filosofar é um pensar racional – que ainda hoje pode salvar uma pobre alma desesperada das inúmeras religiões que vendem um lugar no céu, a apenas quinze minutos do trono de Deus. Boa é essa definição, de Maria Helena Pires Martins e Maria Lúcia de Arruda Aranha: “... a filosofia é a possibilidade de transcendência humana, ou seja, a capacidade de superar a situação dada e não-escolhida. Pela transcendência, a pessoa surge como ser de projeto, capaz de ser livre e de construir o seu destino. O distanciamento é justamente o que provoca a nossa aproximação maior com a vida. (...) A filosofia impede a estagnação.”
          Mais não pode ser dito; quantas páginas eu precisaria? Mas creio que a partir de um começo você já pode seguir adiante e produzir teu próprio filosofar. Pra onde, mesmo, isso leva? Para a vida.



DOR!

Meus amigos, perdão!
Foi a dor que me afastou daqui! Eu mal podia tocar num teclado de computador.
Uma desagradável epicondilite lateral deixou-me prostrada. Uma coisa esquisita que,
com esse nome, nunca havia ouvido falar. Ainda estou em tratamento e, talvez, se a
recuperação não for total, eu tenha de abandonar certas atividades. Morrerei! Joguem
minhas cinzas no mar, droga, se isso acontecer!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

ACORDANDO A MORTE

ACORDANDO A MORTE

Como dormia tranquila, velha e sonolenta.
Tinha a cara suja, escura e nojenta.
Há anos dormia desatenta do tempo de minha vida.
Louca, solitária e vagabunda, adiava minha partida.
Não venha, então, criatura triste e feia!
Deixa-me a respirar, a sentir os pés na areia!
Não preciso de ti, pútrida imortal!
Não quero teu beijo fétido, frio e fatal.
Dorme, dorme tranquila teu sono gelado.
Esquece minha imperceptível existência;
Mantém tua inexplicável paciência.
Eu não vou para ti, fantasmagórico ser abandonado.
Quê!?! Acorda, maldita, acorda com meus gritos!
Por que caminha, agora, com pressa, em minha direção?
Nossa paixão é loucura, devaneios, mitos!
Não, afasta tua mão do meu coração!
Maldita, dormias! Por que sempre chegas?
Não podes poupar-me, eu, que te deixei em paz?
A angústia embalada em tuas mãos negras;
O sopro de vida, nunca mais, nunca mais.
                                 JAQUE PLUCÊNIO (010713)



MEU ABRAÇO AOS VISITANTES DE JUNHO!

Olá, amigos e irmãos que de vez em quando vêm até aqui dar uma espiadinha - o que muito me honra! -, um grande abraço meu a vocês todos!

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA!
Torre do Diabo, Wyoming
(imagem copiado do site www.viajandoblog.com.br)

BRASIL!
Fortaleza, Ceará
(imagem copiada do site www.ionline.com.br)

RÚSSIA!
Vulcão de Kamchatka
(Imagem copiada do site www.jogospuzzle.com)

UCRÂNIA!
Túnel do amor de Klevan
(Imagem copiada de www.viajandoblog.com.br)

ALEMANHA!
Floresta
(imagem copiada de www.ultradownloads.com.br)

REINO UNIDO!
Giant's Causeway, Irlanda do Norte
(imagem copiada de www.viajeaqui.abril.com.br)

DINAMARCA!
Ilhas Faroe
(Imagem copiada de www.pt.hallpic.com)

PORTUGAL!
Portas de Ródão, Rio Tejo
(Imagem copiada de www.portugalfotografiaaerea.blogspot.com.br)

ARGENTINA!
Patagônia
(Imagem copiada de www.ab-imagensincriveis.blogspot.com.br)

ESPANHA!
Caminho de Santiago de Compostela
(imagem copiada de www.embarquenaviagem.com)


ÍNDIA!
Jaipur, Índia
(Imagem copiada de www.mensageirosdaagua.org)

PAQUISTÃO!
Montanha de Baltoro
(Imagem copiada de www.ultradownloads.com.br)













segunda-feira, 24 de junho de 2013

O MUNDO SCHOPENHAUERIANO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO MATERIALIZADO NO SER E POESIA DE GEORG TRAKL - Continuação VI

Este estudo poderia ser facilitado se, ao invés de Schopenhauer, tivesse sido escolhido o filósofo Martin Heidegger (1889-1976), admirador da obra do poeta alemão Hölderlin, cujos versos inspiraram-lhe estudos e o desejo de unir filosofia e poesia. Mas, que algo novo poderia ser discutido, visto que existem inúmeros tratados da filosofia de Heidegger com a  poesia de Hölderlin? No entanto, isso não impede que se faça uso do estudo de poética desse filósofo da II Grande Guerra. Segundo Borges (Donaldo de Assis Borges é docente da Universidade de Franca e do Centro Universitário de Franca - Uni-FACEF) e Souza (Marco Antonio de Souza, docente da Universidade de Franca) (2010, http://www.meuartigo.brasilescola.com/filosofia/a-poetica-heidegger.htm), no artigo A poética de Heidegger, esse considerava que "[..] a verdade como clareira e ocultação do ente, acontece na medida em que se poetiza."Pensamento filosófico e linguagem seriam bastante importantes na trajetória do pensar. Ainda conforme Borges e Souza, entende-se no filósofo estudado que "por isso, a filosofia e a poesia estão tão intrinsecamente relacionadas na linguagem poética de Heidegger." Eles também reforçam que a poética era um dos métodos discursivos para Aristóteles que, bem se sabe, produziu uma obra com o nome A poética (obra escrita entre 335 e 323 a.C.; trata das várias espécies poéticas e, em especial, da tragédia. Para o filósofo grego a poesia era um sistema de imitação da realidade que continha uma verdade em potência, ou seja, sobre uma realidade que poderia vir a ser - ou ser de outro modo -, o que empresta ao discurso poético tanta importância quanto há em uma obra histórica. Além disso, o efeito de catarse da poesia sobre o sujeito afirma o valor da mesma como elemento filosófico.). Os dois afirmam que
Heidegger sabe que não se pode explicar os "sentimentos", mas é possível usando-se linguagem e imagem figuradas para provocar no leitor ou ouvinte um modelo destes sentimentos que assolam a alma poética. A sua linguagem oferece fórmulas representativas e descritivas de uma realidade interna, consegue reproduzir a sua volta, naqueles que o assimilam, uma idéia, às vezes vaga, outras vezes forte das suas próprias emoções.
Heidegger era capaz de perceber linguagem poética no filosofar e vice-versa. E acreditava que isso era possível e interessante como método para alcançar a verdade - ou, no mínimo, para produzir conhecimento. E, provavelmente, em se falando de verdade e conhecimento, se esteja tratando de coisas iguais. Afirmar "eu conheço" é admitir saber a verdade de algo. É um "saber-o-mundo", com certeza. Heidegger foi além. Ele também produziu um tratado sobre a poesia de Georg Trakl. Heidegger (2011, http://www.martin-heidegger.nt/Textos/html/Trakl.html) afirma que "o diálogo do pensar com o poetizar tem a finalidade de evocar a essência da linguagem para que os mortais reaprendam a habitar a linguagem." Também diz que "o poema de um poeta mantém-se não dito." Ora, Heidegger procura o lugar da poesia de Trakl, e sente que esse lugar é a própria terra, no sentido de pátria, lar. Sabe a a alma cantada nos versos deTrakl procura habitar essa terra e nela não ser uma desconhecida. Pelo contrário, é nela que o ser precisa encontrar-se. Quanto a isso, o filósofo Heidegger escreve que "a poesia de Trakl canta o canto da alma, que 'estranho sobre a terra', tem antes de tudo, de alcançar a terra enquanto pátria mais calma do género (sic) que regressa a casa.", acrescentando que "a sua poesia canta o destino do cunho que arrasta o género humano para a sua essência ainda reservada, i.e. (sic), que o salva." Sobre o não dito, ocorre que a poesia deTrakl, obscurecida, não diz o esperado ou entendido, diz outra coisa, acabando por deixar de dizer; mas essa é mais a visão do leitor do que a intenção do poeta. Isso ocorre muito frequentemente com a filosofia.
Canta Trakl (2010, p. 93), em Primavera del alma:
Más oscuras bañan las águas los bellos juegos de los peces./Hora de duelo, silente vista del sol;/un alguien extraño es el alma en la tierra. Espiritual crepuscula/el azul sobre el bosque abatido y suena/insistente una triste campana en la aldea; compaña de paz./Silente florece el mirto sobre los bláncos párpados del muerto.
"[...] un alguien extraño es el alma en la tierra." Alguém estranho é a alma sobre a terra. A alma é um estranho sobre a terra, repetirá Heidegger em seu discurso, para reafirmar o valor da poética na linguagem do pensar. É o homem estranho a si mesmo não só em Schopenhauer, mas também em Trakl.

terça-feira, 18 de junho de 2013

COPA DO MUNDO 2014 - Protestos no Brasil

Imagem de Laycer Tomaz/Divulgação - Jornal Zero Hora de 18/06/13
Imagem da TV Globo, 18/06/13

Quem vê nossa juventude, depois de tantos anos, tomando as ruas do país, talvez acredite, mesmo, que o grande motivo para os protestos é o aumento das passagens de coletivos Brasil afora. Na verdade, isso representa apenas o descontentamento do povo com os astronômicos gastos com a Copa do Mundo e com a vergonhosa corrupção entre políticos e empresários.
Vocês, estrangeiros, visitam nosso país e não percebem nosso cansaço. Não é nosso cansaço em andar de ônibus, muitas vezes de pé, apertados e pagando caro por isso. Vocês não veem nosso cansaço com a roubalheira em nosso país. Com a precariedade da saúde, com a deficiência da educação, com a insustentável falta de segurança... Vocês não veem nosso cansaço quando abrimos um sorriso ou damos uma gargalhada, porque rimos- como idiotas que somos - de nós mesmos! Um riso falso e burro de quem acredita que mora num "país abençoado por Deus e que Deus é brasileiro."
Vocês vêm e se encantam com as belezas naturais, entre elas as mulheres, e nem percebem que a gente é roubada diariamente em milhões de reais pela ala bandida da política, pelas aves de rapina que nos roubam e nos roubam mais ainda através por superfaturados estádios de futebol erguidos para a Copa do Mundo de 2014. Vocês vem mas não nos veem. Não venham, juntem-se a nossa causa. Nosso país é uma vergonha. Não visitem países corruptos.
Imagem copiada do site www.transitomanaus.com.br

Deixa-me triste que entre tantos jovens que acordaram, estejam vândalos, baderneiros que diminuem a legitimidade das manifestações. Sou contra a violência, de ambos os lados. Ainda bem que bandeiras de partidos têm sido suprimidas, afinal de contas, esses eventos foram marcados e cresceram nas redes sociais. O que mais espero é que a juventude lembre que não é apenas baixando o preço das tarifas de ônibus que os problemas do nosso país - que finge estar erradicando a pobreza com as dezenas de "esmolas" estimuladoras da preguiça - ficarão menores. Nós queremos o dinheiro público para o povo, para a saúde do povo, para a segurança do povo, para a educação do povo. Nós, cidadãos comuns não ganhamos tanto quanto os políticos, muito menos tanto quanto os corruptos e menos ainda quanto os famosos jogadores brasileiros de futebol que as pessoas sem consciência política idolatram.
Imagem de Vinícius Roratto - Correio do Povo

Imagem copiada de www.portalguaira.com




segunda-feira, 17 de junho de 2013

CLARICE LISPECTOR - Crônica publicada na Revista Casa e Jardim nº 69, de 1960 e reeditada no nº 701, de junho de 2013

Interessante. Recebo a revista e, na contra-capa, uma "falsa" antiga publicação de Casa e Jardim. Abro. Há uma crônica de Clarice Lispector - minha musa, minha maior escritora, desde antes de tudo até sempre - na p. 4.
Creio que o que ela escreveu serviu de luz para seu romance, "A paixão segundo G.H.", de 1964, em que ela trava uma luta consigo mesma e com uma... barata. É uma batalha em que ela precisa vencer a si mesma e ao inseto, mesmo que para isso tenha de prová-lo. Senti o gosto de si e da coisa que repugna. Sentir-se gente e sentir-se bicho. Sentir-se nada e alguma coisa pra tentar voltar a ser... ser vivo.
Se Clarice Lispector tivesse me perguntado, eu saberia dizer o gosto que tem uma barata. Se bem que a que eu tive a infelicidade de comer estava bem assadinha dentro de um pão francês. Eu era criança, não tive uma grande provação existencial, naquele momento, mas me senti tão coisa quanto sentia como coisa a barata.

A QUINTA HISTÓRIA
Clarice Lispector

Esta história poderia chamar-se "As Estátuas". Outro nome possível é "O Assassinato". E também "Como Matar Baratas."
Farei então três histórias verdadeiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma - se mil e uma páginas e mil e uma noite me dessem.
A primeira, "Como Matar Baratas", começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como acabar com elas. Que misturasse, em partes iguais, açúcar, farinha e gêsso. O remédio as atrairia como comida que também era. Morreriam. Assim fiz. Realmente morreram. A outra história é a primeira mesmo e se chama "O Assassinato". Começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só abstratamente me havia queixado de baratas, que nem minha eram: pertenciam a quem de direito, e escalavam os canos do edifício até nosso lar. Foi na hora de fazer a mistura que elas se individualizaram. Comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa; um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dias as baratas eram invisíveis. ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão tranqüila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Fria, meticulosa, preparava o elixir da longa morte.  Mêdo e rancor guiavam-me. Agora eu só queria gèlidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. A receita estava pronta. Tão bem espalhei o pó que nem se via, como para baratas espertas como eu. Horas depois, no silêncio da casa, da cama imaginei-as subindo uma a uma até a área de serviço, onde o escuro dormia - só as camisas alertas no varal. Acordei em sobressalto, era madrugada. Atravessei a cozinha. E no chão da área, lá estavam elas, duras. Durante a noite eu matara. Amanhecia. Um galo cantou.
A terceira história que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Até o ponto em que, na madrugada seguinte, acordo. Ainda sonolenta, atravesso a cozinha. Mais sonolenta ainda está a área, na sua longa perspectiva de ladrilhos. E à luz primeira, num límpido arroxeado que distancia tudo, vejo no chão sombras e brancuras. Dezenas de estátuas de baratas espalham-se rígidas. Endurecidas de dentro para fora. Testemunho o primeiro alvorecer de Pompéia. Revejo-lhes a última noite, na orgia do escuro. Em algumas o gêsso terá endurecido aos poucos, e, com movimentos cada vez mais penosos, elas ainda tentam fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em espanto. Outras, assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer a intuição de um molde interno que se petrifica - de súbito se cristalizam, assim como a palavra é cortada da bôca. Uma, azulada, terá sentido: "quem olhar para dentro, vira estátua de sal". De minha altura de gente olho a derrocada de um mundo menor. Começa a amanhecer. Uma ou outra antena escura freme sêca à brisa. Da história anterior, canta um galo.
A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei-me de baratas. Até o ponto em que vejo os monumentos de gêsso. Mas olho também para os canos, por onde à noite renovar-se-á uma povoação lenta e viva. Teria eu então que renovar tôdas as noites o açúcar letal? como quem não dorme mais sem o ritmo de um narcótico. E tôdas as madrugadas levantar-me-ia sonâmbula? viciada na tortura de procurar no pavilhão as estátuas que minha noite cansada erguia. Senti um mau prazer na visão de uma vida dupla de feiticeira, e também o aviso do gêsso que seca. E é por isso que hoje, com o orgulho da virtude, ostento secretamente no coração uma placa: "Esta casa foi detetizada".
A quinta história chama-se "Uma alma refeita". Começa assim: queixei-me de baratas.

Estranho... Notaram que ela não dá nome à quarta narrativa? Até que poderia ter recebido o nome de "O feitiço do gesso". Que ousadia, a minha.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

ABRAÇOS AO IRMÃOS QUE PASSARAM POR AQUI!

Abraços fraternos para

Rússia

Ucrânia

Japão

Alemanha

Estados Unidos da América

Brasil

MUNDOS

Um elevador lento e de ferragens Belle Époque
me leva ao antepenúltimo andar do Céu,
cheio de espelhos baços e de poltronas como o hall
de qualquer um antigo Grande Hotel,

mas deserto, deliciosamente deserto
de jornais falados e outros fantasmas da TV,
pois só se vê, ali, o que ali se vê
e só se escuta mesmo o que está bem perto:

é um mundo nosso, de tocar com os dedos,
não este - onde a gente nunca está, ao certo,
no lugar em que está o próprio corpo

mas noutra parte, sempre do lado de lá!
não, não este mundo - onde um perfil é paralelo ao outro
e onde nenhum olhar jamais encontrará...

(Mário Quintana, poeta brasileiro, em Quintana de bolso - rua dos cataventos e outros poemas, pela LePM, Porto Alegre, 2008, p. 48).









segunda-feira, 27 de maio de 2013

Fragmentos de FILOSOFIA CINZA: A melancolia e o corpo nas dobras da escrita

Livro de Márcia Tiburi - Porto Alegre: Escritos Editora, 2004, p. 56:

"A melancolia será a marca mais própria do sujeito moderno, diga-se, do sujeito enquanto tal. Mesmo essencial à filosofia e ao estatuto do sujeito do conhecimento, e melancolia poucas vezes será tema (por ser para os filósofos uma doença e, portanto, assunto daqueles, os médicos, que tratam do corpo e não do espírito, esse sim, assunto da filosofia...) ou problema a ser investigado filosoficamente."

Bem lembrado, a autora afirma que "poucas vezes" a Filosofia se ocupará do tema melancolia, certamente porque, mesmo que a melancolia tenha causa no corpo, ela tem consequências no espírito, o que não descarta a responsabilidade da Filosofia. Para mim, a Filosofia não faz escolhas. É o homem filósofo ou "filosofante" que as faz. A Filosofia está em tudo como - para alguns - em tudo está Deus. Se há a dor humana, se há o riso, se há a calma, se há o medo, há a Filosofia em cada movimento corporal do homem, que é reflexo de seus movimentos mentais e/ou espirituais.

"A melancolia seria algo como a sombria tristeza no meio do riso." (p. 63)

Rio, não sem tristeza. Entristeço, não sem um riso ou sorriso. Conheço a melancolia, sei o que faz e traz. Ela vem de mim. Não entrou em mim. Estava aqui, antes de eu abrir os olhos pela primeira vez. O riso disfarça. Me disfarça. Me mantém. É preciso que eu ria de mim mesma e desse mundo. Talvez seja mais ridículo, ainda, ter imaginado que essa era uma receita só minha. Não. Todos os melancólicos soltam um risinho sarcástico, de vez em quando, ou trazem um sorrisinho irônico no canto da boca.

"O melancólico precisa encontrar saídas  de um mundo e um eu opressor." (p. 66).
"A única saída para aquele que se acha nada é ser outro." (p. 66).

Isso parece fácil. Será? Somos muitos, mas um só. Sou apenas uma face quando olho no espelho, embora o espelho envelheça e eu também. Entretanto, em mim, aquilo que não vejo, porém percebo, é que tão diversos são os meus eus! E não abro mão deles, quando preciso usá-los como porta de saída rumo ao ser estranho - e ao mesmo tempo familiar - que é meu outro eu. Ligam-se, como neurônios, e retroalimentam-se, mantendo meu corpo com doses daquilo que chamamos vida.


DEIXA-ME

Deixa-me um pouquinho,
Um pouquinho só,
E tão só que eu morra de vontade de ti.
E esse morrer seja um renascer
Nos teus braços que recebem,
No teu beijo que acolhe,
Quando eu voltar de mim,
Tão só e tão longe.
Porque não há abrigo fora de ti
E nem há viver sem teu olhar.
Deixa-me um pouquinho,
(Mas não muito, apenas minutos
Ou algumas horas...
Jamais um dia todo,
Pois morro, juro que morro
Em algum caminho.)
Pois que eu volto;
Volto ainda mais de ti,
Volto para ti,
Volto por ti,
Volto em ti.
Deixa-me, portanto, um pouquinho,
Já que mesmo que eu parta,
Continuo em ti,
Vivo em ti.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

JUSTIÇA PARA MARCIELLE

Para quem não sabe, nosso Brasil, democrático, ocidental e emergente, é um país vergonhosamente corrupto e violento. A violência contra as mulheres ocorre desenfreadamente; crianças são estupradas e mortas com requintes de crueldade; jovens de 16 e 17 anos cometem crimes com uma mórbida sensação de prazer; a impunidade assola a justiça; o Legislativo silencia. O que vale são a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Saúde, segurança e educação ficam em último plano. Esse não é o Brasil do turismo, esse é o Brasil do dia-a-dia. Bem-vindos!
A data de hoje marca 1 ano do assassinato de Marcielle, uma menina de 12 anos.
No meu livro Na guarita e outras palavras de gaveta, 2013, Ed. Scortecci, à p. 116, vocês podem encontrar uma poesia que escrevi para essa menina, à época da tragédia.

O GEMIDO DO VENTO

Ouve! Está ouvindo?
Um gemido! É o vento!
É uma canção, um lamento.
É uma dor, é um tormento.
Ouve! As árvores balançam.
As árvores choram deitando
Folhas pela relva. Escuta que
Choram natureza e humanidade.
Vê que não chove e o rio está raso,
Mas as lágrimas não secaram e nem
O sangue de corações partidos findou.
Espera. A menina espera seu descanso.
Espera. A gente espera o fim da noite.
A noite longa que se espalhou na cidade.
Que dor maior e única, sentem a mãe, o pai
E os irmãos! Inigualável dor de silêncio e de
Escuridão! Luz! Luz, luz, luz! Acendam a luz!
Mostrem uma luz, pois que o mal não sobrevive
Sem ser nas sombras. Ah, que triste partir assim!
Ah, que horror daquele que decide quando é o fim!
Nem dono de vida, nem dono de alma, mas demônio
Da morte. Ceguem seus olhos quando a luz lhe tocar
As vazias pupilas de negro terror. Ceguem seus olhos
Quando a verdade tocar a sua fronte tenebrosa, pois
De todo o resto já é cego. Não pode ver com o coração
Já que não o tem. Não pode chorar, nem sofrer, nem
Sentir remorso, pois o que é tal coisa? O nada vira nada.
Ouve! Um sussurro. Não permita que essa noite continue.
Vem, estende a mão aos que aqui estão e acende a luz!
Mostra a face do monstro e alivia um pouco esse sofrer.
Ouve! A menina quer descansar. Não tape os ouvidos,
Não feche os olhos, não fique em silêncio. Por favor,
Acredita. A menina quer descansar. O vento só tem
Chorado e o tempo só tem gemido. Diminui as dores,
Acende a luz, então. Ouve, não fica parado. Acredita,
A menina quer descansar.


Alguns lugares do meu Rio Grande do Sul, hoje pela manhã - imagens de ZH

 Caxias do Sul - Crédito: Porthus Jr., Agencia RBS

                                           Caxias do Sul - Crédito: Porthus Jr., Agencia RBS

Porto Alegre - Crédito: Ronaldo Bernardi, Agencia RBS

Bagé - Crédito: Francisco Bosco, Especial

Aqui no Rio Grande do Sul ainda é outono, mas já estamos convivendo com temperaturas muito baixas - até negativas - como em Caxias do Sul, na Serra, e em Bagé, na fronteira com o Uruguai. Nessa terra sopra um vento chamado minuano, que dói nos ossos. Aqui tomamos chimarrão, uma bebida quente feita de erva-mate, usada primeiro pelos indígenas da região. Nessa terra abraçamos a nós mesmos e comemos e bebemos à volta do fogo de chão, enquanto os campos lá fora, devagarinho, vão descongelando da geada da madrugada. Aqui produzimos músicas melancólicas, de letras difíceis e estranhas, que falam do amor à terra, aos animais e ao ser humano. E do amor ao amor. Nessa terra nós sobrevivemos, às vezes, a quatro estações num mesmo dia, mas ainda somos o Estado do Brasil que tem o privilégio de viver o inverno, a primavera, o verão e o outono, com todas as suas intensidades!

Crédito: Jornal Pioneiro - RBS



quinta-feira, 16 de maio de 2013

Prostração

Maldito!
O maldito estava ali, silencioso, com um sorrisinho mal-disfarçado no canto da boca, fingindo que não me via. Eu, em tamanha prostração, pedindo-lhe, implorando-lhe que olhasse por mim. Por mim! E pra onde ele olhava, por quem ele olhava? Maldito, sem braços pra me abraçar, sem sonhos pra me dar, sem lábios pra me beijar! Apenas sua cara cretina de grande senhor, de maioral, de sujeito acima do bem e do mal, esperando calmamente a minha morte chegar. Eu, em minha prostração humilhante, medonha e cruel, tendo de me dar a torcer e esquecer e gemer e sofrer e... Morrer! E ele, tão poderoso, ali, inerte, porque nada poderia e deveria ser feito. Era a sua vontade. Era a minha verdade. Eu, o filho, ele, o pai.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Meu grande abraço

Hoje, e não só hoje - ah, como eu gostaria de ser uma ave que pudesse voar sobre todo o planeta e ver de perto todas as gentes, tão diferentes de mim, mas tão iguais! - dou meu abraço apertado aos meus irmãos dos seguintes países:

Brasil

Rússia

Alemanha

Estados Unidos da América

Segure a minha mão.
Não se sinta só.
Nós somos 7 bilhões.
Você é meu irmão
E a vida é apenas pó.
Todos os corações,
O teu e o meu,
Batem, batem, tum-tum, tum-tum...
E param, tum... tum... ... ...
O meu e o teu...
Feitos da mesma matéria...
Não se sinta só...




"Não vou voltar"

Poesia, p. 76 de Na guarita e outras palavras de gaveta:

Estranho...
Não lembro de ter dito isso:
Não vou voltar.
Não vou voltar de onde?
De que lugar é necessário que eu volte?
E para que voltar?
Voltar do passado?
Ou do futuro?
Voltar ao presente?
Para quê?
Não vou voltar...
Que importa!?
Irei!
Não preciso voltar.
Mesmo que eu não tenha ido
Para lugar algum
Eu já decidi:
Não vou voltar.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Das decisões que devemos e podemos ter

Pois bem, senhoras e senhores! Aqui estou, uma escritora pouco conhecida, sem nome burguês e de elite, sem padrinhos famosos, apresentando a vocês o que eu puder, daquilo que escrevo e daquilo que leio. Escritores que vivem em pequenas cidades - naquelas em que "santo da casa não faz milagre" - precisam trabalhar em outras atividades... Ou que venha a morte miserável e anônima!
Prova disso é que, quando de minha monografia pela conclusão do curso de Filosofia, na UNISC, apresentei-a em forma de artigo, na tentativa de publicá-la em alguma revista científica. Meus caros, isso não acontece sem QI (Quem Indique). Esse é o nosso país. Vocês sabem disso. Mesmo um artigo como o meu, que recebeu, de forma unânime, 10!

Desse modo, começarei aqui a apresentar meu artigo. Publicarei uma parte de cada vez. Façam suas críticas, tirem suas conclusões. Esse é um canal aberto. Como está escrito no início do blog: partículas de filosofia, literatura e liberdade. LIBERDADE!

O MUNDO SCHOPENHAUERIANO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO MATERIALIZADO NO SER E POESIA DE GEORG TRAKL
                                                                                    Inês Jaqueline Teixeira de Souza

RESUMO
Este artigo certamente ousa discutir a filosofia de Schopenhauer através da poesia de Georg Trakl, considerando o tratado do filósofo acerca da vontade e representação do mundo, que é encontrada em várias de suas obras. Presumir que Schopenhauer tenha escrito sobre algo que não é compreensível, através de um suposto pensamento pessimista, é não reconhecer no mundo e nos homens que a vontade age livremente  sobre o ser e ajuda a formar seu universo. A linguagem assume forma poética e/ou filosófica quando trabalha sentidos e sentimentos, quando apresenta um ser metafísico e usa de metáforas, quando adentra a subjetividade e mergulha no ser. A poesia e a vida de Trakl - e mesmo de Schopenhauer - dão provas disso; e mais, de que não há liberdade no movimento humano, o que, possivelmente, isenta, de algum modo, o ser da culpa, mas também não lhe permite a santidade. E, mesmo que numa existência voltada à contemplação, ao desapego e à compaixão, é angustiantemente verdadeiro que a felicidade humana não passa de utopia, em que a vida é mais dor do que prazer. Ambos os gênios descrevem isso de formas diferentes, ambos possuem um "saber-o-mundo" bem individual, mas, enquanto um deles exalta o "querer viver", o outro exalta a morte. (Filosofia, UNISC, 2012, p. 8)
                                                                       Schopenhauer

                                                                               Trakl

Fragmento de "Uma oportunidade para João"

Fragmento do conto Uma oportunidade para João, do livro Frente Fria, contos de inverno, p. 47:

"Ele retornou à infância, a um tempo seguro, onde nada temia e tudo era resolvido por ele e muitas coisas eram para ele. Voltou a um tempo no qual sua mãe ainda vivia, e ela era calor, refúgio e alegria. Ela compreendia ele num olhar. Sabia até quando ele ia chorar, mesmo antes da primeira lágrima cair. Sabia torná-lo importante, com seus elogios, e fazê-lo acreditar em si mesmo. Era a sua mãe, ela o reconhecia, ela o compreendia. E era a dor da vida dele, que ela tenha partido tão cedo, há tanto tempo. Por que, depois disso, ele temia chorar, mas também temia ser feliz. Temia até mesmo ter mérito por algum feito."

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Palestra da filósofa Marcia Tiburi

Dia 26 de abril de 2013 aconteceu em Santa Cruz do Sul/RS, no auditório central da UNISC, palestra da filósofa e escritora gaúcha radicada em São Paulo Marcia Tiburi. Sua fala excepcional, sua clareza, cultura e inteligência calaram o lugar. Tiburi tratou de ética, politica e educação. Eu estava lá! Sinto-me gratificada!

Marcia Tiburi após ser apresentada pelo também filósofo e escritor prof. Dr. Sérgio Schaefer.

Boa de fôlego, falou em torno de 3 horas para uma plateia entusiasmada.

Tiburi e Schaefer atentos às colocações dos espectadores.

Os futuros filósofos Sérgio Hauth e Jovana Rodrigues, eu (uma filosofante) e os eternos filósofos Tiburi e Schaefer.

Dentre as falas de Marcia Tiburi, pesquei algumas para dividir aqui:

"Ser filósofo no Brasil é uma coisa muito esquisita." Para os outros, claro.
"Escreve a tua filosofia, pois outra pessoa não pode fazê-lo."
"Filosofia só faz sentido se for entre nós, não para nós."
"A Filosofia é uma experiência que envolve linguagem e pensamento e se dá através das pessoas."

O significado maior de "filia" é "a capacidade de conviver com o outro", e isso é muito mais que o amor banalizado da atualidade; vai além da ideia de "amante". Podemos, assim, mais ou menos dizer que filosofia é a sabedoria da convivência. Pode ser... Melhor: a busca à convivência com sabedoria.

"Amigo é aquele com quem eu posso pensar junto."
"Os logos das pessoas transitam e criam algo novo."
"É do logos articulado pela voz que o homem se torna um animal político."
"Trocamos a palavra 'política' pela palavra 'cidadania', porque a primeira foi gasta, foi maltratada."
"O que eu estou fazendo com os outros? O que nós estamos fazendo uns com os outros?"
"Uma sociedade que não sabe reconhecer a diferença é uma sociedade fundada no ódio."





sexta-feira, 26 de abril de 2013

Fragmento de "Epicuro: o filósofo da alegria"

Fragmento do ensaio Epicuro: o filósofo da alegria, de Jorge Alberto Molina, em A Filosofia e a felicidade: o que os filósofos têm pensado sobre a felicidade humana, p. 45, organizadora Suzana Guerra Albornoz. - Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004:

"Vimos que, para Epicuro, a tarefa da Filosofia é dissolver os medos que nos impedem de ser felizes. Em relação à morte, Epicuro afirmava: 'Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da sensibilidade'. Devemos deixar de pensar na morte. 'É insensato aquele que diz temer a morte, não porque ela o aflija quando sobrevier, mas porque o aflige o prevê-la: o que não nos perturba quando está presente inutilmente nos perturba também quando a esperamos'. Platão, no Fedon, ensina-nos a libertar-nos do medo da morte, ensinando-nos que a alma é imortal. Pelo contrário, Epicuro, invertendo a posição platônica, afirmava a materialidade da alma, que, para ele, é composta de átomos sutis que se dissolvem no momento da morte. O que nos provoca medo da morte, segundo Epicuro, é o temor do sofrimento e da possibilidade de um além onde a psyché poderia ser objeto da vingança dos deuses. Mas não há sofrimento onde não há sensibilidade, nem para além da psyché, pois esta se dissolve no momento da morte. Vale a pena citar um trecho da carta de Menaceno, onde Epicuro esclarece ainda mais seus pensamentos sobre a morte.

'Por isso o reto conhecimento de que a morte não é nada para nós torna alegre a própria condição mortal de nossa vida, não prolongando indefinidamente o tempo, mas suprimindo o desejo de imortalidade. Nada há de temível no viver para quem se tenha verdadeiramente convencido de que nada de temível há em não mais viver. E assim também é estulto quem afirma temer a morte, não porque lhe trará dor ao chegar, mas porque traz dor o fato de saber que chegará: o que não faz sofrer quando chega, é vão que nos traga dor na espera. O mais terrível dos males, portanto a morte, não é nada para nós, uma vez que quando somos, a morte não é, e quando ela chega nós não somos mais. Ela não tem nenhum significado nem para os vivos nem para os mortos, porque para uns não é nada, e, quanto aos outros, eles não são mais. [...]. O sábio, ao invés, não pede para viver nem teme não viver: não é contrário à vida, mas também não considera que a morte seja um mal.'"

- GUARDANDO NA CACHOLA
- cachola (da linguagem popular): cabeça, cérebro, mente;
- estulto (do míni dicionário Aurélio): tolo;
- Epicuro (do Dicionário dos Filósofos, de Huisman): Epicuro foi cidadão ateniense e viveu de 341-271 a.C. Em seu Jardim organizou uma escola com a família e discípulos e ali fez grande produção filosófica, com pouco contato com o mundo exterior. Sua filosofia dividia-se em 3 partes: canônica (sobre as regras e critérios dos juízos de realidade e de valor), a física e a ética. Sobre o temor da morte, acrescenta que o epicurista conforta-se nos bens que se podem chamar de imortais, como a amizade, que Epicuro considera o mais precioso. "A amizade transcende o egoísmo de seus fundamentos, a ponto de poder-se dizer que a morte do amigo não é um mal para nós, pois que não o é  para ele."

Epicuro

Há um certo conforto em mim quando penso que depois de tudo, nada há. Vou partir, apenas, e deixar de existir. E ficarão as sementes de minhas ações e palavras. Repousarei minha carne e meus ossos, meu espírito dissipar-se-á e voltarei, enfim, ao pó. Que desconforto sinto quando, por vezes, me assalta a ideia de vida após a morte! Ir para outro lugar! Enfrentar o desconhecido, suportar a dor de estar longe desse mundo! Sim, claro, sou mundana, sou átomo, sou pó! Que medo de ser para sempre!